19 de abril é marcado como o Dia da Resistência dos Povos Indígenas, uma data importante que reconhece a luta contínua dos povos indígenas brasileiros pela preservação de suas culturas, terras e direitos. Nossos povos originários sofrem, desde o colonialismo, com a perda de seus territórios, a discriminação, a violência e a negação de direitos básicos.
No Maranhão, a maioria das ocorrências de conflitos por terra se dá em território indígena, muitas vezes com a conivência do poder público. Já no município de Raposa, os Tremembé, liderados por Rosa Tremembé, estão sob ameaça de perda do território para uma construtora.
O processo de demarcação de terra já foi iniciado, mas segue a passos lentos pela FUNAI. Enquanto isso, as autoridades competentes se esquivam do atual problema que os Tremembé e as comunidades vizinhas estão sofrendo. Abaixo íntegra da carta encaminhada à DPU.
CARTA DO POVO INDÍGENA TREMEMBÉ DA RAPOSA (MA)
À Defensoria Pública da União (DPU)
Unidade de São Luís (MA)
Rua dos Anapurus, Qd. 36, nº 18, Bairro Renascença II
Assunto: Pedido de Embargo de Instalação da Rede de Esgoto da empresa Canopus Construções Ltda direcionado ao Igarapé do Rio Paciência. Dano Socioambiental. Povo Indígena Tremembé. Terra Indígena em reivindicação. Raposa (MA).
Nós, Povo Tremembé da Raposa, vimos através dessa CARTA solicitar o acompanhamento da nossa situação em Raposa (MA) com relação a garantia do nosso direito à moradia com dignidade e de ter nosso território demarcado, pois com a chegada dos grandes empreendimentos no território nos sentimos cada vez mais em situação de vulnerabilidade. Para nós é de suma necessidade ter este Núcleo da Defensoria Pública da União (DPU) como nosso aliado, visto que estamos passando por situações graves e urgentes de serem resolvidas.
Hoje os territórios Kaúra/Itapeua/Cumbique se encontram ameaçados pelos projetos imobiliários de construtoras de condomínios além de grilagem pelos de fora. Com a chegada dos grandes empreendimentos na região, nos sentimos cada vez mais em situação de vulnerabilidade, prejudicados, pois a CANOPUS CONSTRUÇÕES LTDA concretiza em fase de acabamento o seu projeto de rede de esgoto, e por que não dizer PROJETO DE MORTE?
O território solicitado por nós à FUNDAÇÃO NACIONAL DOS POVOS INDÍGENAS (FUNAI) já passou pela fase de qualificação no período de 05 a 09 de dezembro de 2022 por uma equipe da FUNAI, quando nos vimos ameaçados de perde-lo definitivamente para a CANOPUS CONSTRUÇÕES LTDA, considerando que placas e e stands de vendas de condomínio foram instaladas no local com os dizeres “SEU CONDOMÍNIO ESTÁ AQUI”.
A CANOPUS negou que estivesse em posse da área onde estavam as placas e stand, argumentando que o local foi apenas emprestado pelo Sr. Armando Oliveira Silva (suposto dono do Território) para a exposição daqueles itens, contudo pretendiam comprar a área, mas quando souberam que os Tremembé tinham solicitado o Território, desistiram de comprar. Frisa-se que o Sr. Armando Oliveira Silva, encontra-se identificado, dentre outros processos, como Réu na ação possessória que passará a tramitar na Justiça Federal, conforme consta em processo ref. 0800653-33.2021.8.10.0113 que trata, também, sobre o território indígena do Povo Tremembé.
Essa construção tem causado sérios prejuízos, já que as forças das águas vêm arrastando barro e lixo pelo caminho e têm feito crateras pelas ruas, derrubado postes de energia e casas e alagado moradias quando antes nunca havia acontecido isso, de forma a impedir que pessoas doentes e idosas saiam de suas casas para atendimento médico devido às grandes crateras frente às suas casas.
O Igarapé, braço do Rio Paciência, alimenta e sustenta essa comunidade constituída em sua maioria por pescadores e agricultores. Nessa região resistem nossos parentes indígenas Tremembé por vários séculos. Somos dos povos Sambaquis e o crime ambiental ameaça nossa vida, causando a perca total dos nossos modos de vida e afetando diretamente a nossa existência.
É do Igarapé que as famílias tiram o seu sustento, extraindo mariscos como o sururu, sarnambi, tarioba, caranguejo, pesca do camarão e peixes, porém com a poluição ambiental pela CANOPUS derramando seus dejetos implicará na privação e não conservação de sua subsistência.Apesar de tudo isso, os direitos fundamentais parecem se inverter e as comunidades Itapeua, Cumbique e Kaúra encontram-se desassistidas, desamparadas de direitos quando se veem impedidas de se manifestar contra as violações de direitos, como não poder transitar pela rua que liga as comunidades à MA-203, já que não podem passar em frente ao Condomínio Village Pôr do Sol.
A CANOPUS denunciou as comunidades à Comarca de Raposa, onde foi expedida uma decisão que colocou terror na população, que se sentiu inibida e impossibilitada de se manifestar contra a instalação da tubulação de esgoto que prejudicará seriamente a sua sobrevivência; sob pena de ter que pagar 500 reais por dia, a população viu a CANOPUS se fortalecer, dando a esta o poder ele se sentir no direito de chamar a polícia para ter seu serviço feito sob escolta, além de ameaçar através de uma nota as comunidades, informando que também instalaria o esgoto no território solicitado por nós. Tremembé, à FUNAI.
Desse modo, segundo a CANOPUS, a tubulação de esgoto além de ir para o Igarapé pelo lado do braço do rio Paciência também afetaria o lado oposto, ou seja, para o lado do mar atravessando também da MA-203, o que lamentamos e denunciamos.
Como se não bastasse uma grande cratera no local com 10 metros de profundidade e 50 cm de largura, apavorando transeuntes e pessoas em seus automóveis que circulam pela MA-203. onde há risco de romper a estrada devido à força da água das chuvas e tubulações antes implantadas pela Prefeitura de Raposa.
Diante de tanto desmantelo e violação de direitos pedimos a intervenção das autoridades competentes para que atuem nesta situação e embarguem imediatamente a instalação da tubulação do esgoto pela CANOPUS CONSTRUÇÕES LTDA.
Abaixo subscrevemos, Povo Tremembé de Raposa (MA), através de sua liderança, Rosa Eliana Torres Tremembé.
São Luís, 18 de abril de 2024
Rosa Eliana Torres Tremembé