Na zona rural da região do Gapara, em São Luís do Maranhão, ergue-se a comunidade Argola e Tambor, território de luta, memória e ancestralidade. A história dessa comunidade começa a se desenhar em fevereiro de 1995, quando famílias oriundas de bairros vizinhos, como Vila Isabel, ocuparam uma área até então desabitada e tomada pelo mato. A região, composta por morros e áreas alagadas, era ignorada por grandes empreendimentos que atuam na região, o que facilitou o processo de ocupação.
“Foi um movimento coletivo. Um grupo de pessoas organizou e ocupou a área em três dias. Depois disso, procuramos apoio de órgãos e lideranças que atuavam com o direito à moradia. Um dos encaminhamentos foi formar uma comissão de cadastro para mapear os ocupantes do território”, relembra Maria de Olinda, moradora da comunidade que participou desse processo de ocupação do território.
O nome da comunidade carrega marcas profundas da ancestralidade. Argolas e outros itens encontrados em mangueiras antigas remetiam aos tempos da escravidão, levando os moradores a deduzirem que ali poderia ter sido um lugar de açoite ou um refúgio ao escravizados, de celebração da cultura afro. A decisão coletiva foi, então, batizar o território com um nome que resgatasse a história negra e sua força cultural: “Argola e Tambor”, unindo o passado marcado por grilhões ao principal marco da cultura africana, os tambores.

“Cada rua aqui tem uma história. A primeira recebeu o nome de Domingos Dutra, em homenagem ao advogado que conseguiu derrubar as liminares contra nossa permanência. Já a rua onde moro, eu mesma batizei de São Francisco, por devoção pessoal”, lembra emocionada Maria de Olinda. Ao todo, a comunidade conta com 57 ruas, todas nomeadas com base em vivências e memórias locais.
Um ano após a ocupação, os moradores decidiram celebrar o aniversário da comunidade. A escolha da macaxeira como símbolo da festa não foi por acaso. “Todo mundo tinha macaxeira plantada no quintal. Então a gente pensou: por que não fazer um bolo de macaxeira pra comemorar?”, conta Maria de Olinda.
A celebração ganhou uma barraca, decorada com raízes de macaxeira, e recebeu o nome de “Barraca da Macaxeira”. A festa contou ainda com som de radiola e o tradicional “parabéns” cantado para a comunidade. No segundo ano de comemoração, a festa já ganhava contornos de tradição e passou a se chamar oficialmente Festival da Macaxeira. Desde então, tornou-se um marco anual na vida dos moradores da Cidade Nova.
A festividade cresceu ano após ano. Desfiles, concursos da maior macaxeira — algumas chegavam a dois metros! — e premiações gastronômicas deram visibilidade ao evento, que passou a atrair pessoas de outras partes da cidade. O Festival da Macaxeira se tornou símbolo da resistência e da capacidade de organização popular. Em 2005, a celebração foi oficializada no calendário cultural do município, e em 2014 ganhou reconhecimento estadual.
Essa visibilidade trouxe frutos concretos: o festival impulsionou conquistas como energia elétrica, iluminação pública, asfaltamento das ruas, escola e posto de saúde. As ruas antes esquecidas começaram a receber atenção do poder público, e a comunidade passou a ser reconhecida oficialmente, mesmo com divergências sobre o nome “Argola e Tambor” ou “Cidade Nova”.

O festival tornou-se um marco indiscutível da história local. A recente construção da Praça das Mangueiras, sonhada pelos moradores, marca a continuidade dos sonhos coletivos que nasceram com a luta pela terra.
Hoje, Argola e Tambor/Cidade Nova representa um território conquistado com mobilização popular e força da agricultura familiar, tendo a macaxeira como símbolo da resistência plantada, colhida e compartilhada.
Reverenciando essa história de luta e formação da comunidade, o coletivo Mulheres Unidas Cidade Nova apresenta produtos derivados da raiz que alimentou e fortaleceu Argola e Tambor. Entre eles, estão os chips de macaxeira, além dos chips de banana e, como carro-chefe, elas desenvolveram o sorvete de macaxeira — uma criação original que carrega a memória afetiva de constituição da própria comunidade.
O Coletivo Mulheres Unidas Cidade Nova

O Coletivo Mulheres Unidas Cidade Nova foi criado em setembro de 2020, a partir das articulações da Marcha Mundial das Mulheres na comunidade de Cidade Nova/Argola e Tambor, localizada na zona rural de São Luís. Composto por moradoras da própria comunidade, o grupo surgiu com o objetivo de fortalecer a organização das mulheres locais, promovendo a luta contra a violência doméstica, a busca por políticas públicas e a construção da autonomia econômica. Desde sua criação, o coletivo se consolidou como uma força atuante na defesa dos direitos das mulheres e no fortalecimento das redes de solidariedade no território.
Ao longo dos anos, o coletivo tem promovido diversas ações comunitárias voltadas para o bem-estar e a emancipação das mulheres e meninas. Dentre as atividades realizadas estão oficinas de artesanato, rodas de conversa, mutirões de atendimento jurídico e de saúde, aulas de zumba, celebrações de datas simbólicas como o Dia das Crianças, o Dia Internacional das Mulheres e campanhas do Outubro Rosa. Com foco na economia solidária, as integrantes do grupo também têm divulgado sua produção artesanal e participado de feiras populares e agroecológicas, garantindo visibilidade e geração de renda a partir das riquezas naturais do território.
A atuação do coletivo está profundamente enraizada na história de luta e resistência da comunidade desde a ocupação iniciada em 1996. Com um trabalho que valoriza o fazer coletivo, as Mulheres Unidas Cidade Nova articulam ações que fortalecem a identidade comunitária e integram diferentes frentes de mobilização já existentes no território. Seu protagonismo mostra que a transformação social é possível quando mulheres se unem em defesa da vida, do território e de um futuro com mais justo para todas.

Fotos: Ana Mendes